Tuesday, April 18, 2017

Bula "Unam Sanctam" (1302)

BULA «UNAM SANCTAM » 

Por exigência da fé, somos obrigados a crer e a sustentar que há uma só e Santa Igreja Católica e Apostólica, e firmemente nela cremos e sinceramente a confessamos, e fora dela não há salvação nem perdão dos pecados, do mesmo modo que o Esposo clama no cântico dos cânticos: «Uma só é a minha pomba, uma só a minha perfeita. Ela é a única da sua mãe, a predilecta daquela que a deu à luz.» (Cant. 6,8.) Ela representa um só corpo místico, cuja cabeça é Cristo, e a cabeça de Cristo, Deus. Nela há «um só Senhor, só fé, um só baptismo» (Ef. 4,5). Uma só, com efeito, foi a arca de Noé no ternpo do dilúvio, a qual prefigurava a única Igreja, e com arremate de um côvado, levava um só timoneiro e um só chefe, Noé, e lemos que fora dela foi destruído tudo o que existia sobre a Terra. Mas à Igreja veneramo-la também como única, pois diz o Senhor no Profeta. «Ó Deus, livrai da espada a minha alma, e das garras dos cães a minha vida.» (Ps. 21,21.) Com efeito, orou, juntamente por sua alma, isto é, por si mesmo, que é a cabeça, e por seu corpo, e a este corpo chamou sua única Igreja, em razão da unidade do esposo, a fé, os sacramentos e a caridade da Igreja. Esta é aquela «túnica» do Senhor, «inteira», (Jn. 19,23) que não foi rasgada, mas sorteada. A Igreja, pois, que é una e única, tem um só corpo, uma só cabeça, não duas, como um monstro, isto é, Cristo e o vigário de Cristo, Pedro e o seu sucessor, posto que diz o Senhor ao mesmo Pedro: «Apascenta as minha ovelhas. » (Jn. 21, 27. ) As minhas ovelhas, digo, e de modo geral, não estas ou aquelas em particular, pelo que se entende que lhas encomendou a todas. Se, pois, os gregos ou outros dizem que não foram encomendados a Pedro e aos seus sucessores, é mister confessaram que não são das ovelhas de Cristo, posto que diz o Senhor em João que há «um só rebanho e um só pastor» (Jn. 10,27).
Pelas palavras do Evangelho ficamos cientes de que, nesta e na sua potestade há duas espadas: a espiritual e a temporal. Porque a afirmação dos apóstolos de que na Igreja existem duas espadas, não respondeu o Senhor que fosse exorbitante mas suficiente. Certamente, quem nega que na potestade de Pedro existe espada temporal, não interpreta correctamente as palavras proferidas pelo Senhor: «Guarda a tua espada na bainha.» (Mt. 26, 52.) Uma e outra espada, pois, estão na potestade da Igreja, a espiritual e a material. Mas esta tem de esgrimir-se em favor da Igreja; aquela, pela própria Igreja. Uma pela mão do sacerdote, outra pela mão do rei e dos soldados, embora com a indicação e o consentimento do sacerdote. Todavia, é necessário que a espada esteja sob a espada e que a autoridade temporal se submeta à espiritual. Porque quando afirma o apóstolo: «Não há potestade que não proceda de Deus» (Rom. 13,1), as que existem são ordenadas por Deus e não o seriam a não ser que uma esteja subordinada à outra e como inferior se exerça através da superior.
Pois, como afirma o B. Dionisio, é lei divina que as coisas inferiores sejam subordinadas às superiores. Portanto, segundo a lei universal, as coisas não se desenvolvem todas de forma igual e imediata, mas as inferiores ordenam-se às intermediárias e estas às superiores. Que a potestade espiritual sobressaia em dignidade e nobreza em relação a qualquer potestade terrena, temos de confessá-lo com tanta mais clareza, quando se sobreponha o espiritual ao temporal. O que é evidenciado pela praxe dos dízimos, pela bênção, pela santificação, pela forma de investidura da potestade e pelo exercício do poder. Porque, segundo testemunha a Verdade, o poder espiritual tem que instituir o temporal, e julgá-lo se não for bom. Assim com relação à Igreja e à potestade eclesiástica cumpre-se o oráculo de Jeremias: «Eis que hoje te constituí sobre as nações e os reinos» (1,10). Logo, se a potestade terrena se desvia, será julgada pela potestade espiritual: se se desvia a espiritual menor, por sua superior; mas se for a suprema, só por Deus, não pelo homem, poderá ser julgada. Pois testemunha o apóstolo: «O homem espiritual o julga todo, mas ele por ninguém é julgado.» (1 Cor. 2,15.) Pois bem, esta potestade, ainda que tenha sido dada a um homem e se exerça por um homem, não é humana mas divina, por palavra divina dada a Pedro, e a ele e aos seus sucessores confirmada. Àquele mesmo a quem confessou, e por ele foi pedra, quando o Senhor disse ao mesmo Pedro: «Quando ligares», etc. (Mt. 16,19). «Quem quer, pois, que resista» a este poder assim ordenado por Deus, «à ordem de Deus resiste» (Rom.13,2), a não ser que, como Maniqueu, imagine que há dois princípios, coisa que consideramos falsa e herética, pois testemunha Moisés não que «nos princípios», mas que «no princípio criou Deus o Céu e a Terra» (Gén. 1,1). Pois bem, submeter-se ao Romano Pontífice, declaramo-lo, dizemo-lo, definimos e proclamamos como de toda a necessidade para a salvação de toda a criatura humana. Dada em Latrão no oitavo ano do nosso Pontifícado (1302). 

Corpus Juris Canonici, vol. 2, col. 1245-1246.
Aemilius Friedberg. Graz, Akademische-Druck-u. Verlagsanstalt 1959. 




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